Irka Barrios é escritora, contista e romancista, com uma trajetória marcada pela literatura fantástica e pelo horror contemporâneo brasileiro. Natural do Rio Grande do Sul, Irka tem se destacado por uma escrita que mescla elementos do terror psicológico com reflexões sobre o corpo, a identidade e as relações humanas. É autora de livros como Lauren (Caos & Letras, 2019), Júpiter Marte Saturno (Uboro Lopes, 2022 – reeditado pela Zouk, 2025) e Vespeiro (DarkSide Books, 2023). Mestre em Letras – Escrita Criativa pela PUC-RS, Barrios também é uma figura ativa em projetos de formação e incentivo à leitura, como o Clube de Leitura Escuro Medo. Esta entrevista foi realizada via WhatsApp para o projeto O Livro Quebrado, e revela um pouco dos bastidores da carreira de Irka.
Roberto Menezes: Deixa eu começar com uma pergunta simples: qual foi a tua primeira publicação literária? Em que mídia foi? Incluindo qualquer coisa... até post de rede social!
Irka Barrios: Literária mesmo? Foi O coelho branco, na Amazon em 2015. Antes disso, eu tive um blog, lá por 2012. Publiquei alguns textos por lá, mas nem lembro os títulos. O blog ficou ativo até 2015.
Roberto Menezes: Lembra o nome do blog? Ele ainda está no ar?
Irka Barrios: Não lembro a senha e ele já está fora do ar faz tempo (risos). Escrevia textos leves, divertidos. Na época, eu achava que ninguém acompanhava, mas teve um leitor do Rio de Janeiro, o Eduardo, que começou a me cobrar quando eu não postava. Isso me incentivou a escrever com mais regularidade. O próprio Eduardo me sugeriu procurar oficinas de escrita aqui em Porto Alegre, e foi assim que fiz minha primeira oficina, no MARGS, com o professor Alexandre Carvalho. Também foi nesse período que comecei a escrever meu primeiro romance.
João Matias: Quais foram os principais desafios para publicar seu primeiro livro com ISBN? Como foi o caminho até chegar à DarkSide?
Irka Barrios: Um dos grandes desafios foi me aceitar dentro da literatura fantástica. Durante muito tempo, a literatura brasileira tratou o fantástico como algo menor. Foi só quando abracei de vez minhas alegorias que me senti mais livre. Lauren foi meu primeiro romance publicado, mas o terceiro que escrevi. Publiquei pela Caos & Letras, que estava começando na época. Foi segundo livro que a editora publicou e tenho muito orgulho disso. É como se nascêssemos juntos.
Depois veio Júpiter Marte Saturno, que reúne contos que considero fundamentais na minha trajetória. O livro foi premiado, mas infelizmente não circulou tanto quanto gostaria. Curiosamente, foi através de Júpiter que meu atual editor, Cesar Bravo, chegou até mim. Ele leu o conto O verão de 85 e me pediu mais material. Enviei o conto Sandra não tem dedos, um dos meus preferidos.
É bonito, gosto de saber que meus contos me levaram a assinar contrato com a DarkSide Books porque somos bombardeados com mensagens que dizem que contos não vendem. Vespeiro desafia a lógica, tem uma trajetória bem interessante do ponto de vista comercial.
João Matias: Como você vê a influência do curso de Escrita Criativa da PUC-RS na sua produção? Você acha essencial ou acessório para quem escreve?
Irka Barrios: As oficinas de escrita foram fundamentais no meu caso. Sei que há polêmicas sobre o assunto, mas sempre defendo o trabalho sobre o texto. Gosto de ler textos lapidados, onde percebo o esforço de quem escreveu. Oficinas nos ensinam a reconhecer arquiteturas e efeitos das escolhas narrativas e de linguagem. Não acredito em talento puro. Cada um tem seu olhar particular, e é isso que nos diferencia. Sou defensora ferrenha da proliferação desses cursos, inclusive pelo efeito terapêutico da escrita. Publicar é outro processo, mais maduro, mas escrever... escrever é uma delícia.
Roberto Menezes: Tem algum motivo específico para a personagem se chamar Lauren?
Irka Barrios: Tem sim! Na adolescência, quando me mudei para uma cidade maior, fiz amizade com uma turma underground: skate, rolês noturnos, brigas... Eu era a estranhona querendo fazer parte. A líder dessa turma se chamava Lauren. O nome ficou.
João Matias: Qual elemento você considera mais relevante na sua literatura?
Irka Barrios: Gosto de pensar nos livros que leio, entender o que me seduz ou me afasta. Tenho seguido um caminho em direção ao poder das imagens. Como contista, é a imagem que primeiro me desacomoda. No romance, o personagem é o mais importante. Enredo, diálogos e desfecho se desprendem das ações de um personagem bem construído.
Também tenho me interessado cada vez mais por histórias que convidam o leitor a interagir, a preencher as lacunas. Terminei recentemente a leitura de Cujo, do Stephen King, e senti que ele não deixa espaço para a leitora Irka. Tudo está no texto, muito fechado. Prefiro textos (contos) como os de Samanta Schweblin, histórias em que posso entrar, projetar minhas próprias interpretações.
Roberto Menezes: Quais são seus projetos mais recentes?
Irka Barrios: Finalizei meu quarto romance, e estou naquela fase de lua de mel com o texto. Também estou feliz com a reedição de Júpiter Marte Saturno pela Editora Zouk. Além disso, sigo com projetos coletivos, como o In Corpa e o Clube de Leitura Escuro Medo, que está na ativa há quatro anos.
Tenho um projeto chamado Monstros de Canoas, aprovado pela lei de incentivo à cultura local. Ele será voltado para oficinas com estudantes em escolas públicas, focado na criação coletiva de monstros e narrativas. Canoas foi uma das cidades mais afetadas pela enchente de 2024, então o projeto também serve como uma forma de ressignificação do trauma.
Também estarei envolvida com um evento de literatura de mistério, o Curitiba Noir. Também em Curitiba, assumo a mentoria de uma residência literária, um programa pioneiro na UFPR, ideia da escritora Andréa Berriell que faz um trabalho importante na cultura dentro da universidade. E, em setembro, estarei em Paris para eventos ligados ao Ano do Brasil na França.
João Matias: Como foi a bienal?
Irka Barrios: A Bienal foi incrível, acima das expectativas. Minha editora arrasou muito no stand. Deixo o Rio de Janeiro com uma ideia muito bonita de equipe, de trabalho em comunidade. O acolhimento foi espetacular. Me senti parte. Descobri que novidades virão. Estou muito animada.
João Matias: Quem você destaca hoje no horror brasileiro e internacional?
Irka Barrios: No Brasil, destaco a Verena Cavalcante, que abre muitas portas para o gênero. Também cito Daniel Gruber, autor de A floresta e A noite do cordeiro, e Juliana Cunha, com Notivagas, ambos publicados pela O Grifo Editora. Mas tem muita gente, não posso esquecer meus colegas da DarkSide: Cesar Bravo, Paula Febbe, Marcio Benjamin, Bruno Ribeiro, Francisca Libertat, Roberto Denser, Paulo Raviere, tem muita gente mandando muito bem. Entre independentes, queria falar de Úrsula Antunes, Larissa Prado, Moacir Fio, Mylena Queiróz, Frederico Toscano, Andréa Barriell, Karine Kanal, Daniel Freitas, Elmira Não Está, Carlos Castelo, Clarissa Moura, no Escuro Medo tem muita gente que manda bem, e sei que estou esquecendo muita gente. O cenário nacional floresce.
Na cena internacional, Mónica Ojeda me encanta pela abordagem da sexualidade feminina dentro do horror, especialmente em Mandíbula. Já Samanta Schweblin é mais cerebral, com um horror que se constrói por lacunas e silêncio. O conto Na estepe é um dos meus favoritos. O livro mais recente dela, O bom mal, é um assombro de tão bem construído.
Roberto Menezes: O que você gosta e o que não gosta no horror?
Irka Barrios: Não gosto quando o horror é tratado como algo elevado demais, místico, só compreensível por "iniciados". Também detesto personagens femininas estereotipadas, como as "gostosonas sedutoras e malignas". Chamo isso de "terror mofado".
Recentemente, soube de um filme sobre masturbação feminina que está sem distribuidora por conta de uma cena polêmica envolvendo o 11 de setembro. Enquanto isso, filmes com violência sexual explícita seguem circulando. Minha revolta no horror é essa: tentar desvirtuar conceitos e abrir espaço para outros olhares.
O que eu gosto? Do sujo, do feio, do malvado, do mesquinho, do vergonhoso. Gosto de explorar as sujeiras dos corpos e das relações. E gosto de textos que me levem a esses lugares.
Redes sociais de Irka Barrios: Instagram
Referências citadas por Irka Barrios:
O coelho branco - https://a.co/d/caVKHji
Mandíbula (Mónica Ojeda) - https://a.co/d/2pUdiXC
Kentukis (Samantha Schweblin) - https://a.co/d/4xmSFNS
Inventário de Predadores Domésticos (Verena Cavalcante) - https://a.co/d/cdAYFdJ
A Noite do Cordeiro (Daniel Gruber) - https://a.co/d/53ooKqi
Notivagas (Juliana Cunha) - https://a.co/d/b7e5p3V
O Livro Quebrado é um espaço sobre literatura idealizado pelos escritores João Matias e Roberto Menezes.
João Matias nasceu em Juazeiro do Norte (CE). É escritor, roteirista e professor na Universidade Regional do Cariri, Ceará. Tem publicados os livros Os Interiores (Patuá, 2025), As Madrinhas da Rua do Sol (Caos e Letras, 2023), dentre outros.
Roberto Menezes é paraibano, escritor e professor da Universidade Federal da Paraíba. Tem oito livros, todos em prosa literária, sendo o mais recente "Meio Estreito" (contos) publicado pela Editora Caos & Letras.